Nesta terça-feira, dia 14 de março de 2023, a Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH), o Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), o Fórum Popular do Quarto Distrito (4D) e outras organizações e movimentos sociais signatários enviaram uma carta ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e aos Mecanismos de Proteção de Direitos Humanos denunciando a situação de desrespeito aos direitos humanos no 4º Distrito de Porto Alegre, localizada no estado do Rio Grande do Sul. O material foi encaminhado com cópia para o atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e para a Defensoria Pública do RS.
O documento enviado apresenta diversas violações aos direitos humanos das milhares de famílias que ocupam as áreas do 4D, identificadas por diversos nomes, como Casa de Passagem, apelidada de Carandiru, Vilas Tio Zeca, Areia, Voluntários, Cobal, Beco X, Zumbi dos Palmares, Liberdade, Mário Quintana, Beira do Rio, a Ocupação da Frederico Mentz, 330, Vilas Dona Teodora, Santo Antônio, Campos Verdes, Trensurb/Fazendinha e Santo André. Estas regiões são predominantemente compostas por assentamentos/ocupações irregulares em terrenos públicos ou privados, anteriormente não utilizados ou subutilizados, e que há décadas atendem, mesmo que precariamente, a necessidade de moradia de milhares de famílias.
A carta destaca que, nos últimos anos, não houve intenção em promover amplamente, de maneira suficiente, políticas públicas de moradia e de interesse social, voltada para essas comunidades mais pobres e ocupações que habitam o 4D. Entre as principais denúncias expostas pelas organizações e movimentos sociais signatários da carta estão a falta de políticas públicas habitacionais para essas comunidades mais pobres e vulneráveis, a precarização intencional do território para fins imobiliários, a flexibilização de regramentos urbanísticos em benefício de empreendimentos privados sem prever contrapartidas sociais e ambientais, e a ameaça de despejo e reassentamento de famílias que sobrevivem de atividades informais no território.
Programa +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito de Porto Alegre
O encaminhamento do documento marca a semana seguinte ao evento em que foi discutida a revisão do plano diretor da cidade, a Conferência da Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre. O evento ocorreu entre os dias 7 e 9 de março e contou com a participação de representantes do poder público e da sociedade civil, entretanto gerou preocupação para as entidades denunciantes em relação à fraca participação das comunidades. Definidos pelo Plano Diretor, o poder público municipal autorizou 53 projetos especiais na capital entre 2010 e 2019. Dentre os projetos, está o Plano +4D, que atinge diretamente os moradores da região. “Os projetos especiais, ferem princípios do planejamento urbano que são garantidos pela Constituição, como a gestão democrática e a justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização. Assim, violam direitos, provém a concentração da renda urbana e agravam as desigualdades sociais”, declara Karla Moroso, arquiteta e diretora executiva do CDES Direitos Humanos.
As entidades afirmam que esta região urbana sofreu uma precarização intencional, visando baixar o valor do m², para que o setor imobiliário venha a adquirir, tomando conta do 4D, realizando uma higienização com programas que mobilizem grandes valores. Recentemente, o Executivo Municipal aprovou junto à Câmara de Vereadores o Programa +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito de Porto Alegre (Lei Complementar 960/2022), que prevê a flexibilização de regramentos urbanísticos, incentivos urbanísticos e tributários para empreendimentos, investimentos públicos em obras nas principais avenidas e vias. Essa ação ocorreu sem prever quaisquer contrapartidas que possibilitassem investimentos no interesse social e ambiental (Função Social da Cidade) a favor das famílias que ocupam os assentamentos irregulares do 4D, garantindo a elas alternativas de permanência no território.
Nova Ponte do Guaíba
Ainda segundo informações da denúncia, desde 2014 iniciou-se a construção da obra chamada “nova Ponte do Guaíba”, de responsabilidade do governo federal, a qual, na parte que ainda resta ser concluída, avançará sobre as casas dos moradores das Vilas Tio Zeca, Areia, Voluntários e Coobal. Até o presente momento, no ano de 2023, centenas de famílias dessas vilas permanecem no território aguardando as soluções que serão oferecidas, de parte do Ministério dos Transportes e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O informe enviado à ONU denuncia que a construção da nova Ponte do Guaíba está gerando impactos graves e irreversíveis para a vida dos moradores e moradoras. Além disso, a obra está sendo realizada sem a realização prévia de estudos de impacto ambiental e social adequados, e sem a realização de consulta e participação das comunidades afetadas.
Organizações e movimentos sociais responsáveis pela denúncia
Outras informações institucionais podem ser encontradas no site da AMDH e do CDES. Essas denúncias alertam para uma situação grave de violação dos direitos humanos dessas comunidades e pedem a intervenção das Nações Unidas para garantir que o Estado brasileiro cumpra com suas obrigações e compromissos internacionais em relação aos direitos humanos, especialmente no que diz respeito ao acesso à moradia digna e ao direito à cidade para todos.
As organizações que assinam o documento são:
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH);
Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES);
Fórum Popular do Quarto Distrito;
Acesso: Cidadania e Direitos Humanos;
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH);
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM);
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST);
Movimento de Trabalhadores por Direitos (MTD);
Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM);
Conselho Regional pela Moradia Popular (CRMP/RS);
Frente Nacional de Luta pela Moradia (FNL);
Federação Gaúcha das Associações de Moradores e Entidades Comunitárias (FEGAMEC);
Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre;
Comitê Popular de Luta do Bairro Farrapos;
Rede Emancipa;
Rede Jubileu Sul;
Campanha Despejo Zero – núcleo Rio Grande do Sul.