Nos dias 29 e 30 de novembro aconteceu a oficina “Prevenção ao discurso de ódio no Brasil”, promovida pelas organizações Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil), Aliança ACT (ACT ALLIANCE), Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH), Justiça Global e Ibase. A agenda de formação foi contruída e realizada em parceria com o Escritório das Nações Unidas para a Prevenção ao Genocídio e Obrigação de Proteger. A oficina de formação contou com mais de 30 inscrições, sendo elas de representantes de organizações da sociedade civil, representantes de movimentos sociais, mães de vítimas da violência policial, lideranças indígenas e quilombolas e lideranças religiosas.
Esta programação se alinha à sequência de atividades que este coletivo de organizações brasileiras vem realizando em colaboração com o Escritório das Nações Unidas para a Prevenção ao Genocídio. Todas as ações até então organizadas por essa parceria, abordam a questão do ódio e dos extremismos como fatores de risco muito fortes na perspectiva da normalização das violências e a potencialização de crimes de genocídio a grupos específicos no Brasil. Assim, o objetivo desta iniciativa foi o de compartilhar informações e subsídios sobre a temática do discurso de ódio a partir dos documentos do sistema global de direitos humanos e olhar para a situação do Brasil no que se refere aos desafios que estão colocados para o enfrentamento desta questão que cresceu muito no país nos últimos anos. A agenda seguirá como estratégica na programação das organizações parceiras que vem coordenando este processo e de um amplo grupo de parceiros que também atuam com o tema, além dos sujeitos que são as maiores vítimas destas violências, a saber, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, comunidade LGBTQIAPN+, povo negro, mulheres e outros grupos.
A formação foi ministrada pelo Escritório das Nações Unidas para a Prevenção ao Genocídio e Obrigação de Proteger, através dos representantes Castro Wesamba e Flávia Kroetz, oficiais de assuntos políticos da assessoria especial da ONU para prevenção de genocídio, e pelo Camilo Onoda Caldas, relator do Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil. A moderação foi de Enéias da Rosa, secretário executivo da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil.
Durante ambos os dias de oficina também foram apresentadas falas de Letícia Cesarino, representante da Assessoria Especial de Educação e Cultura em Direitos Humanos no Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, de Monique Cruz, coordenadora do Programa Violência Institucional e Segurança Pública da organização Justiça Global, de Romi Bencke, pastora luterana e secretária executiva do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC), de Alison Kelly, representante da Aliança ACT e de Cibele Kuss, pastora luterana e secretária executiva na Fundação Luterana de Diaconia (FLD). A oficina também possibilitou uma contribuição muito ativa das/os participantes durante os dois dias.
Uma das questões fundamentais para o início dos debates foi a exposição dos três diferentes níveis do discurso de ódio. De acordo com a apresentação dos ministrantes, eles são divididos entre nível superior, nível intermediário e nível baixo. O nível superior é o discurso de ódio já identificado e condenado pelos instrumentos internacionais, sendo uma incitação direta ao genocídio, à discriminação e à violência, tendo a maior facilidade de identificação. Já o nível intermediário, é a ameaça de violência e o assédio motivado pelo preconceito, possuindo maiores nuances no processo de identificação e podendo ter imposição de restrição através do seguimento dos critérios do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ou o Estatuto de Roma, por exemplo. Por fim, temos o nível baixo, que não é uma incitação à violência, mas um discurso ofensivo que promove desinformação. Até o nível do que é considerado liberdade de expressão, é protegido pelo direito internacional, mas não significa que não se precise estar atento a este discurso, assim, necessitando um enfrentamento alternativo aos meios legais, de maneira social e comunicacional, quando a liberdade de expressão não toma limites e torna-se ofensiva à dignidade humana.
No primeiro dia da oficina, tratou-se das características do discurso de ódio e da incitação à violência, delineando-se a compreensão da ONU sobre genocídio e crimes atrozes. Além disso, foram abordados os planos de enfrentamento e prevenção da ONU em relação ao discurso de ódio e ao genocídio, apontando as razões que motivaram essas estratégias. De maneira abrangente, também foram exploradas questões como a difusão ideológica de uma cultura de ódio na sociedade brasileira, a contribuição das mídias e redes sociais para o fomento desse discurso, a impunidade relacionada a ações violentas perpetradas por agressores específicos e dirigidas a grupos específicos vulneráveis, e do discurso de ódio como tática empregada pela extrema direita.
Na plenária, com abertura de falas aos participantes, surgiram temas críticos para reflexão sobre o discurso de ódio, incluindo o genocídio da população negra, o fundamentalismo religioso, a violência letal do Estado, a transfobia, linchamentos, a violência enfrentada pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais, com ênfase especial nas mulheres, e os ataques direcionados às mulheres cis e trans que ocupam cargos políticos. Estes temas foram posteriormente recapitulados e aprofundados durante o segundo dia da oficina.
Um outro ponto de destaque, amplamente abordado e debatido, foi a notável capacidade de amplificação do discurso de ódio, tanto nos meios de comunicação quanto nas redes sociais. Assim, o segundo dia da oficina, teve o foco em discutir os desafios desse cenário e em propor estratégias de enfrentamento, seja no campo político, social ou na comunicação. Em relação às mídias, a discussão ressaltou a importância de compreender e enfrentar os desafios associados à propagação dessas mensagens, com práticas como a verificação dos fatos noticiados pelos meios de comunicação e divulgados na mídia geral, a mediação dos conteúdos nas redes sociais, a regulamentação do tema na relação com as empresas responsáveis que lucram e monetizam essas práticas e o apoio das contra narrativas ao discurso de ódio, abrindo espaço e divulgando vozes pró direitos humanos.
Alguns dos desafios gerais apontados foram na direção do enfrentamento ao aumento da violência praticada pelo Estado, por empresas e por sujeitos, a numerosa ocorrência dos discursos de ódio nas redes sociais e o cenário das inteligências artificiais neste contexto, bem como a necessidade de se estabelecer colaborações entre governos, entidades, movimentos e sujeitos para o enfrentamento do discurso de ódio. Ainda como estratégias de combate ao discurso de ódio, foram sugeridas parcerias da ONU com o governo brasileiro para elaborar planos de combate ao discurso de ódio, educação em direitos humanos em todos os âmbitos da sociedade, em especial na eduçação formal e informal, a ampliação da comunicação não-violenta, a criação de campanhas juntamente aos ministérios e a valorização da pesquisa sobre a temática do ódio, do genocídio e da desinformação a fim de buscar mais soluções. Foi lembrado que este é um trabalho contínuo e que precisa ser conjunto.
Por fim, a oficina de formação gerou alguns importantes encaminhamentos. Tendo em vista que o enfrentamento e a prevenção do discurso de ódio é uma tarefa árdua, as organizações coordenadoras da oficina buscarão aprofundar a análise, o monitoramento e a denúncia dos discursos de ódio que são fatores de risco e sustentam uma lógica genocida em relação a diferentes grupos e seus modos de vida no Brasil. Outro encaminhamento é o seguimento da divulgação de informações e a realização de novos momentos de formação sobre o que é o discurso de ódio, suas nuances e quais as estratégias que podem ser elaboradas, buscando ampliar cada vez mais os grupos e contribuições acerca do tema. É fundamentalmente necessário continuar com esta ação de parceria já existente e ampliá-la no diálogo com universidades, com outros espaços institucionais e com lideranças religiosas para buscar encerrar as demonizações das diversidades e promover um trabalho conjunto contra a cultura de ódio no país.
Texto: Assessoria de comunicação da AMDH